Currículo

domingo, 18 de setembro de 2011

Core Perséfone

No Olimpo ( lugar onde moravam os deuses ) Deméter se casa com Zeus e geram Core (a jovem). Um dia Core estava brincando em Elêusis (lugar onde mora os mortais) e vê uma flor de narciso no qual ela fica encantada e acaba cheirando esta flor. Ao cheirar esta flor Core fica tonta (NARKÉ=Narcótico) então a terra se abre e Plutão vem numa carruagem para raptar Core e leva-la para o Hades ( mundo dos mortos), pois Plutão se apaixonou por Core.
Deméter sente a falta de sua filha e fica louca a sua procura. Com isto Deméter (Mãe Terra) sai do Olimpo e vai em busca de sua filha pelo o mundo inteiro. Durante nove dias e nove noites a deusa fica a procurar sua filha sem nenhuma pista. Enquanto Deméter está a procura de sua filha a terra fica sem vegetação e sem fertilidade.



Deméter diz que só volta ao Olimpo quando encontrar sua filha e pede a Zeus. Este manda Hermes, o deus do caduceu de ouro, ir para Hades e convencer Plutão de devolver a filha de Deméter. Então Hermes convencer ao irmão de Zeus à devolver Perséfone, mas este dá uma romã para ela comer. Deméter vai ao encontro de Core e ao abraça-la Deméter sente sua filha diferente e pergunta se ela comeu algo em Hades. Core diz que comeu uma romã e por causa disso ela terá que passar um terço do ano em Hades . Com isto Core se transforma em Perséfone que é esposa de Plutão. Antes de voltar ao Olimpo Deméter ensina os seus rituais para Célio e seu filho Triptólemo . Ao voltar ao Olimpo a terra volta a ter vegetação e a ser fértil.



Imagem:

Dante Gabriem Rossetti 1874
OST
Dimensões: 125,1 X 61 cm
Tate Britain Londres


Kóre, em grego, quer dizer jovem, donzela, o contrário de “Kóros”, jovem, rapaz. Às vezes, a palavra é usada com o sentido de “thygater”, filha. No mito, nasceu ela da união de Zeus, o Senhor do Olimpo, com Deméter, a deusa da terra produtiva. Um dos símbolos de Kóre era a semente, a própria imagem da alternância entre vida e morte, lembrando tanto vida subterrânea como vida manifestada. Raptada por seu tio, Hades-Plutão, levada para o Inferno, transforma-se em Perséfone, uma dualidade que nos coloca diante de dois arquétipos, o da jovem virgem e o da rainha do mundo infernal.



De um modo geral, Kóre é o arquétipo da jovem inconsciente quanto à sua personalidade visível nos seus relacionamentos com o mundo. Possuídas por esse modelo, muitas jovens costumam erotizar bastante a sua aparência, o seu comportamento, a sua maneira de ser, colocando as pessoas à sua volta num estado de excitação e até de paixão amorosa muitas vezes incontrolável. O arquétipo de Kóre nos remete a uma das proposições mais importantes do tema da sedução: é mais pelo seduzido que pelo sedutor que a sedução se realiza.


Realmente, apesar da sua imagem de “atacante”, o sedutor atua sempre nesse processo sob pressão. Ele é, digamos, constrangido a atacar. Seu ataque é comandado por aquele (a) que será a sua vítima. Todo sedutor é, assim, “forçado” a seduzir pela sua “vítima”. O que temos aqui é algo semelhante ao contrato masoquista, um contrato comandado pela vítima. Ao longo da história do homem, esta maneira de ver poderá ser facilmente constatada, sendo inúmeros os casos em que o sedutor não passa de uma marionete do seduzido. Bastante indecisa, às vezes falsamente ingênua, a jovem virgem Kóre, como uma flor, oferecendo os seus encantos aos que passam, “nunca sabe bem o quer”, mas espera que algo lhe aconteça, que alguém a “colha” e que sua vida então mude.

A flor, como sabemos, se desenvolve entre a terra e água, princípios passivos. Suas pétalas, seu cálice, tudo nela é receptáculo da luz, da chuva, do orvalho, dos ventos, e, como tal, é dependente da atividade celeste. As flores, além de presentes em todas as etapas da vida (nascimentos, aniversários, celebrações, casamentos, mortes), sempre tiveram um papel importante no jogo da sedução, na literatura galante. Para os antigos gregos, a proximidade ou a inalação do perfume de certas flores eram perigosas, narcisos, asfódelos, jasmins, jacintos, camélias etc., todas presentes na mitologia grega, dela fazendo parte, às vezes, como importantes personagens. As flores brancas, particularmente aquelas que são muito perfumadas, segundo a tradição mediterrânea, podem atrair a alma de pessoas mortas.

O narciso, na mitologia, coroava a cabeça de várias divindades, das Erínias, das Moiras e, muitas vezes, do próprio Hades, sendo neste caso um símbolo do entorpecimento da morte como um sono profundo. Como já se disse, narcisos, pelo seu perfume perturbador e soporífero, são ideais para a confecção de filtros mágicos. Diz a tradição que uma mulher que receba de um homem um buquê de narcisos ficará presa a ele, não o tirará mais da sua cabeça.


O mito nos revela que Kóre foi raptada quando, num prado da Sicília, junto com algumas jovens amigas, colhia flores.O mito nos revela mais que Kóre, ao contrário delas, se sentiu particularmente atraída por uma região mais seca do terreno, onde só havia um tipo de flor, de pétalas brancas, com uma pequena coroa amarela no centro. Essa flor, conforme se comprovou posteriormente, foi criada especialmente pela Grande-Mãe Géia para auxiliar Hades-Plutão a raptar a jovem. Extremamente odorífica, dessa flor, chamada tecnicamente de “Narcissus Poeticus”, às vezes confundida com o “Narcissus Serotinus”, os homens aprenderam a extrair um óleo, muito usado na fabricação de perfumes. Atualmente, ele entra na composição de dois deles, muito famosos, “Fatale” e “Samsara”. O perfume do óleo do narciso lembra uma mistura de duas flores, do jacinto e do jasmim. De todas as espécies de narcisos, o Poético é o mais perigoso. Pessoas que dormem ou que permanecem por algumas horas numa sala fechada onde eles estejam correm o risco de sentir enjôos, náuseas, vômitos, fortes dores de cabeça.


O complexo de Kóre vem sendo atualizado pela literatura, pelo cinema e, sobretudo, pelos meios de comunicação de massa (publicidade) através de vários estereóptipos como “lolitas” e “ninfetas”, adolescentes que procuram sempre despertar o desejo sexual, modelos de comportamento muito ativos hoje tanto na área heterossexual como homossexual. Lembro que os norte-americanos, desde os tempos do cinema mudo, puseram em circulação o termo “waif” (gamine, em francês) para designar esse modelo, uma mistura de sexo e inocência, caracterizado por mulheres de aparência infantil, que simulam fragilidade, que parecem “pedir” proteção, mas ocultando por trás de sua personalidade, sutilmente erotizada, muita malícia, nocividade e perniciosidade como sedutoras (Audrey Hepburn é o exemplo clássico). Eram perigosas, sexualmente estimulantes. O grande arquétipo desse modelo é, sem dúvida, Kóre, “raptada” por Hades, o deus dos Infernos, com o consentimento de Zeus, o próprio pai, quando colhia flores.


É preciso ressaltar, porém, que, se esse rapto foi um “trágico” acontecimento para Deméter, não o foi, como se disse acima, para a Grande-Mãe Géia, que o viu como natural, como “algo” que faz parte da própria vida. Ela colaborou, como “sábia anciã”, para que o rapto se consumasse, não só permitindo que o cenário fosse montado adequadamente (os atraentes narcisos) e também se “abrindo” para que Hades pudesse subir à sua superfície para atacar a jovem e voltasse ao seu reino subterrâneo. Do ponto de vista de Géia, tanto a sedução como a morte não têm nada de trágico, são acontecimentos que fazem parte do devenir da própria existência.


O poema homérico nos diz sobre esta passagem: “Até o narciso com a terra/ como um engodo cresce para esta menina/ como um favor para Aquele Que Recebe Tantos/ e Zeus, permitindo-o (seu brilho era maravilhoso)... ela estendeu ambas as mãos e surgiu “Aquele Que Recebe Tantos”. Esta expressão “Aquele Que Recebe Tantos” era usada pelos poetas para se referir a Hades, “o de inumeráveis hóspedes” (as almas dos mortos) e dono de riquezas inexauríveis nas entranhas da terra.
Narciso vem de “narko”, sono, “narkê”, torpor. A flor, entre os gregos, era vista como narcoléptica (narkê, torpor, e lepsis, ataque), sugerindo, por seu perfume, idéias de sono, morte e diminuição do nível da consciência. Em razão de sua forma, que lembra o lírio, o narciso aparece ligado à corrupção da virgindade, da pureza. O narciso era também flor muita usada em ritos funerários, ornando os cadáveres levados para inumação, nos cemitérios.
A “perdição” de Kóre, como tudo indica, foi apoiada pela Grande-Mãe, que se tornou assim cúmplice de Hades, pois para ela o mundo subterrâneo (o subconsciente, se quisermos) também fazia parte da natureza (vida consciente). A história de Perséfone nos permite perceber todo o dualismo de seu mito, ou seja, o de se ver o mundo inferior como o mundo das almas e o mundo superior como o da luz, da vida física. Ou seja, para que a vegetação possa crescer na superfície da terra, era preciso uma descida ao mundo ctônico. O “invisível” dando origem ao “visível”. Tomar consciência será assim ter percepção do “invisível”, do mundo inferior.
A jovem Kóre, enquanto vivia exclusivamente presa à mãe, não tinha nenhuma consciência de si mesma, da sua beleza, não conhcia os seus motivos subjetivamente, apenas existia simbioticamente. Fazia-se sedutora para ser colhida, uma flor. Não percebia o quanto atraía sexualmente. Vivia para oferecer ao mundo a sua imagem mais desejável; por isso, mudando constantemente, adaptando-se como um caleidoscópio.


A palavra Kóre em grego era usada também para designar a pupila (menina) do olho que, a rigor, é um vazio, isto é, um orifício situado no centro da íris que, ao se contrair ou dilatar, permite regular a quantidade de luz que penetra no olho. Daí, os outros sentidos que a palavra pupila toma, sentidos úteis para apreendermos tudo o que arquetipicamente a jovem filha de Deméter pode significar. Pupila é aquela que um educador, um mestre, deve educar, aquela que deve ser tutelada por alguém; é uma protegida, uma educanda, uma noviça. Os gregos davam às bonecas também o nome de “kóre”, um simulacro do corpo feminino.
Invariavelmente, todos os que se voltaram para o tema de que tratamos falam da filha de Deméter como vítima, a que foi abduzida. O sedutor, no caso, é o deus soturno de um reino para o qual ninguém desejava ir, deuses ou mortais, dono de uma força viril ativa irresistível diante da qual o feminino (passivo) não tinha outra alternativa senão a de se render, se entregar, abandonar-se. A sedução, nessa perspectiva, é sempre apresentada como um jogo a dois, no qual um (o mais forte) ganha e o outro perde, presente a dialética do dominador e do dominado.


Apesar de toda a diversidade dos personagens que costumam tomar parte neste jogo, não podemos admitir que a sedução (seducere, etimologicamente, desviar do reto caminho, tirar de lado) seja simplesmente um querer fazer mal consciente, um constrangimento imperativo irrecusável por parte de quem o pratica. Neste jogo, muitas vezes, o que parece ser o vencedor, como dissemos, aquele que aparentemente se beneficia do ataque, nem sempre é quem dá início ao jogo ou aquele que se delicia mais. É claro que sob um ponto de vista teológico, etimológico ou jurídico os sedutores serão sempre o Diabo ou um grande libertino, grandes pecadores, criminosos etc. No Direito Penal brasileiro, por exemplo, sedução é o crime de se manter conjunção carnal com mulher virgem entre 14 e 18 anos, com aproveitamento de sua inexperiência e/ou justificável confiança. O aparecimento do sedutor (oportunidade, circunstâncias etc.) é determinado em grande parte pela parte seduzida. Na vida religiosa, este princípio pode ser assim expresso: todo místico acaba sempre encontrando o seu deus. Na vida libertina, é o caso do Don Juan descrito por Kierkgaard, seduzido pelas mulheres das quais ele já havia se tornado cativo.


Essa questão de se considerar a sedução simplesmente como um desvio maléfico deve ser revisada, admitir outra leitura, que não fique restrita ao ponto de vista dos jogadores. A sedução é, efetivamente, um desvio maléfico, em muitos casos, mas noutros (em grande parte, talvez) não o seja. Refiro-me, sob o ponto de vista factual apenas, às delícias da sedução, efêmeras ou duráveis, mas sempre delícias. Dentre todos os exemplos para reforçar o que aqui se afirma podemos ficar com os casos mais “difíceis”, o da sedução das “mulheres austeras” ou “as aquecidas pelo Divino”, as “loucas de Deus”, as que formam aquele grande contingente das esposas místicas em todas as religiões. Choderlos de Laclos tratou delas e a Igreja católica transformou muitas mulheres raptadas como Kóre em santas.
No tocante às religiões (refiro-me aqui de modo especial ao Cristianismo), é oportuno lembrar que, quando seduzidas pelo divino, as mulheres, absolutamente, segundo a ortodoxia dominante, não se desviaram de nada, nem de si mesmas, foram promovidas, colocadas numa categoria especial, foram santificadas, tornando-se dignas de veneração e respeito. Gozaram, simplesmente, por ele possuídas, pelo divino. Quando se trata de homens então, os casos parecem ser bem mais interessantes, pois nos põem mais profundamente diante da chamada feminilidade da alma mística, a “alma-esposa”. São João da Cruz entendia disto muito bem, referindo-se a si mesmo no feminino. Estes seduzidos, homens ou mulheres, são sempre extremamente sedutores. É extensíssima, como sabemos, em todas religiões a galeria dos seduzidos pelo divino, mulheres e homens.
Todos os fenômenos religiosos que nos falam de penetração pelo divino, do toque do divino, conversões, religiões reveladas, de mistério, participações rituais, transes oraculares, profecias etc., têm inegavelmente uma forte conotação sexual. Para receber o divino devemos nos tornar femininos, esvaziarmo-nos, como no caso do “ekhstasis” dos Pequenos Mistérios em Eleusis. Platão, por exemplo, associa o conceito de possessão pelo divino (enthousiasmòs) a um estado não-racional, feminino.


O que temos na realidade, em muitos casos, quanto ao feminino, é que as seduzidas são grandes sedutoras. A mulher seduzida, como o sedutor, também “atira” as suas flechas. Elas, “ao cair”, levam junto o sedutor, o derrubam. Kóre vinha há muito, em que pesem os seus poucos anos de vida, pedindo para ser colhida. Quanto a Plutão-Hades, as consequências de seu ato, como tudo indica, ele as suportará até o final dos tempos, administrando o seu reino em companhia de Perséfone, que assumiu o papel de esposa amantíssima e obediente.
Os estudiosos do mito, de todos os tempos, nunca abordaram o “day after” do rapto de Kóre, sob o ponto de vista de Plutão-Hades. Atendo-nos ao mito, Plutão nunca mais raptou alguém. Aliás, mostrou-se sempre muito consciente dos seus poderes e deveres familiares. Lembremos do modo como agiu (marido exemplar) quando dois fanfarrões, Teseu e Piritoo, invadiram o seu reino com a pretensão de raptar Perséfone. Agiu prontamente, prendendo-os e os mandando para o Tártaro, lugar sem volta. Teseu lá ficaria para todo o sempre se não fosse Hércules...


O que podemos concluir desse episódio, ligando-o a outros dados “biográficos” de Plutão-Hades, é que ele precisava apenas de uma “esposa oficial”, de alguém para assumir o lugar de “primeira dama” no seu reino. Nunca foi um sedutor como seu irmão Zeus, este sim um grande semeador de filhos, os chamados espúrios, alguém que não admitia negativas diante do seu furor erótico.


Sob um outro ponto de vista, psicológico, se quisermos, a ação de Plutão-Hades (função de todo “raptor”) não teve outra finalidade senão a de fazer Kóre tomar consciência do seu corpo como polaridade geradora. Aliás, aquilo que aconteceu a Kóre vem sendo atualizado simbolicamente por várias histórias, como, por exemplo, a do Chapeuzinho Vermelho, na qual Hades, Deméter e Kóre são, respectivamente, o lobo, a avó e a heroina. O rapto de Kóre é, neste sentido, uma “descida” que toda mulher deve fazer não só ao interior do seu corpo, e, dessa experiência, chegar a novas formas de autoconhecimento para buscar outras possibilidades de crescimento.


O aspecto sublime do drama Deméter-Kóre está representado, sem dúvida, pelos Mistérios de Eleusis, doação de Demeter à humanidade, como um grande processo transformador no sentido de uma espiritualização progressiva da vida material, tanto no nível pessoal como coletivo. Não é por oura razão que a divindade condutora dos “mystai” para Eleusis era Dioniso, o deus das metamorfoses, a divindade que num primeiro momento lembrava a regressão, a supressão das interdições, o mergulho na indiferenciação, para, num segundo momento, significar o renascimento sob uma outra forma. Não nos esqueçamos que a terceira fase dos Pequenos Mistérios, a do “enthousiasmòs” (literalmemente, deus em nós) se realizava quando Dioniso “possuía” o iniciado. A forte conotação sexual dessa penetração divina é evidente. Todo iniciado que participasse dos Mistérios de Eleusis assumia naturalmente a condição de “Kóre”, isto é, tornava-se feminino, sendo invadido pelo deus.


Psicanaliticamente, os Mistérios de Eleusis podem ser vistos como uma proposta de descida à vida subconsciente a fim de serem libertadas as potencialidades lá aprisionadas. É neste sentido que Perséfone seria um símbolo do recalque. É no simbolismo da semente que desce ao interior da terra que devemos procurar a busca de certas faculdades espirituais (a busca do tesouro interior) que levam o ser humano ao autoconhecimento. O guia das procissões noturnas que no outono saíam de Atenas em direção de Eleuisis pelo Cerâmico era Dioniso, que, como esclarecia Heráclito, era Plutão-Hades, sob um outro aspecto. Esta identificação se tornará mais clara se acrescentarmos que a mãe de Dioniso era Sêmele, nome que lembra semente, uma personificação da terra, como Deméter, fecundada por Zeus na forma de chuva primaveril.


O retorno de Kóre, por outro lado, à mãe não é mais que a ilustração de um dos subciclos do movimento cíclico das estações. Não é por acaso que no dia 22 de setembro (começo do outono), quando se realizava a “epopteia”, a contemplação, a consumação dos Grandes Mistérios, Perséfone tinha nessa cerimônia um papel muito importante. Ela, como a venerável Brimo, apresentava à multidão de iniciados Brimos, o menino sagrado, o “puer aeternus”, símbolo da energia universal que não morre nunca, que a cada ano retorna.


Os Mistérios de Eleusis falavam de uma solidariedade entre a mística agrícola e a sacralidade da atividade sexual. Brimos era gerado pela grande deusa na escuridão do Telesterion e trazido diante da multidão como símbolo do “mystes”, o iniciado renascido. Brimos, em Eleusis, era um epíteto do deus Dioniso, a criança sagrada, nascida de Perséfone. É dentro do cenário eleusino que o culto de Dioniso significa uma proposta de mudança, de transformação, de espiritualização se quisermos, na medida em que ele nos fala de morte e renascimento.


A palavra Brimo, de origem trácia provavelmente, sempre teve o sentido de algo terrível, algo que se presenciava com horror. Traduzia ela também uma idéia de inexorabilidade, aparecendo sempre ligada ao mundo infernal, sendo, por isso, muito aplicada a deusas que tinham relações com esse mundo. O nome era usado às vezes como um qualificativo para designar o que deusas como Perséfone, Hécate ou as Erínias provocavam, um misto de temor, de horror. A palavra era também aplicada a Deméter, em Eleusis.


A figura de Perséfone tem, no mito, um caráter ambíguo. Afora os seus “deveres oficiais” nos Mistérios de Eleusis e ao lado do marido, sua história é discreta, não é muito rica de acontecimentos. Perséfone aparece nos trabalhos de Hércules (décimo trabalho), no mito de Teseu (já mencionado), no Orfismo e numa disputa que teve com Afrodite. Quanto ao Orfismo, há apenas a mencionar que quando o famoso cantor trácio desceu ao Hades para resgatar a alma de sua falecida noiva, Eurídice, Perséfone, muito tocada pela grande prova de amor por ele demonstrada, interveio decisivamente, com sucesso, no sentido de obter de seu esposo autorização para a libertação da alma da desditosa jovem.


No que diz respeito à sua disputa com Afrodite, o caso teve relação com Adônis, divindade oriental da vegetação. Esta história é, evidentemente, uma transposição, com certas adaptações, de uma representação mítica babilônica do ciclo da vida vegetal, sendo personagens a deusa Ishtar e Tammuz, seu filho e amante, divindade da vegetação, que periodicamente morre e renasce.


Na Grécia, o mito de Adônis nos conta que uma princesa, filha do rei Téias, da Síria, desejando competir em beleza com Afrodite, foi punida pela deusa, que a fez desenvolver uma paixão incestuosa pelo próprio pai. Engravidada pelo pai, sem que este o soubesse, foi condenada à morte quando se descobriu tudo. A jovem, colocando-se sob a proteção dos deuses, foi entretanto transformada numa árvore, a mirra. No momento oportuno, da casca da árvore saiu uma criança lindíssima, que recebeu o nome de Adonis. Encantada, Afrodite recolheu-a e a confiou secretamente a Perséfone. Anos depois, a deusa do amor foi buscá-la, a essa altura um formosíssimo jovem. Perséfone, contudo, se recusou a entregá-lo. A disputa entre as duas deusas acabou sendo arbitrada por Zeus, ficando estabelecido que o jovem passaria um terço do ano com Perséfone, outro terço com Afrodite e o tempo restante como quisesse. Adônis decidiu então passar oito meses do ano com Afrodite, pois o reino de Perséfone, como disse, sempre lhe havia parecido muito triste, escuro.


Assumindo a condição de grande amor de Afrodite, Adônis, segundo uma versão do mito, foi assassinado, durante uma caçada, pelo deus Ares, antigo amante da deusa, na forma de um javali, inconformado por não mais ser admitido no seu divino leito. A pedido da deusa, Zeus transformou então o jovem Adonis na anêmona, uma flor primaveril, que, terminada a estação, fenece e morre.


Toda esta história liga-se obviamente ao ciclo da vida vegetal. A descida de Adonis, a sua catábase ao reino de Perséfone, e sua anábase anual em direção de Afrodite, era solenemente festejada na Ásia Menor, nos famosos ritos dos Jardins de Adonis. Quando o jovem deus descia ao reino de Perséfone, Afrodite vestia luto, recolhia-se. Para perpetuar a memória do seu grande amor, a deusa instituiu na Síria uma festa fúnebre, com soleníssimas procissões.


A anêmona (anemos, em grego, é vento), na qual Adonis foi transformado, é, como sabe, miticamente, um produto das lágrimas de Afrodite e do sangue de Adonis e evoca, como flor, um símbolo do amor submetido às flutuações das paixões e dos caprichos dos ventos. De uma beleza singela, frágil, caracteriza-se a anêmona sobretudo por sua existência efêmera, não resistindo muito as suas pétalas à ação dos ventos e das chuvas. Terminada a primavera, as anêmonas desaparecem dos campos...


Faz parte também do mito de Adonis uma outra flor, a rosa. Segundo nos conta a tradição grega, ao socorrer o seu amor, atacado pelo javali, Afrodite pisou num espinho; dos seus augustos pés, algumas gotas de sangue caíram sobre as pétalas de flores brancas que estavam próximas do corpo do jovem; imediatamente, as flores se tornaram vermelhas, passando elas desde então a simbolizar o amor. Na linguagem das flores, a rosa de pétalas brancas passou a simbolizar o amor que suspira.



O poeta Fernando Pessoa (Ricardo Reis) deixou-nos estes versos sobre os Jardins de Adonis:
As rosas amo dos jardins de Adonis, Essas vólucres amo, Lídia, rosas, Que em o dia em que nascem, Em esse dia morrem. A luz para elas é eterna, porque Nascem nascido já o Sol, e acabam Antes que Apolo deixe O seu curso visível. Assim façamos nossa vida um dia, Inscientes, Lídia, voluntariamente Que há noite antes e após O pouco que duramos.


A rosa, como se sabe, sempre apareceu nos mitos da região mediterrânea e da Ásia Menor, como um símbolo do amor que vence a morte e do renascimento. No Egito, a rosa era muito usada nos Mistérios de Isis como símbolo do silêncio exigido pela iniciação e imagem da morte carnal, tornando-se o país o maior produtor e exportador dessa flor na antiguidade. Presente também nos ritos funerários, a rosa passou ao mundo greco-romano. Lembre-se que em Roma e em muitos lugares da Itália eram celebradas, nos cultos aos mortos, as famosas “Rosalias”, entre 11 e 15 de maio. É de se registrar ainda que os grupos esotéricos que no mundo latino usaram a rosa em seus ritos de iniciação cunharam a expressão “sub rosa” (sob o signo da rosa) para designar o silêncio exigido do iniciado na fase de sua instrução. Um conhecimento transmitido “sub rosa” jamais poderá ser revelado exotericamente.


Todos aqueles, homens ou mulheres, que se voltam profissionalmente ou não, para atividades, estudos ou interesses relacionados com o oculto, vivem, como se sabe, metafisicamente, isto é, ligados a experiências que transcendem as do mundo sensível. Vivem, de um modo geral, numa região que se situa entre o conhecido e o desconhecido.
O arquétipo Perséfone sempre pressupõe um elo com o oculto, interesses que priorizam a atmosfera psíquica ambiental. Há sempre uma busca de tudo que é alternativo, esotérico, não oficial, terapias diferentes, métodos de cura, formas de tratamento não oficilizados, temas ligados à morte, vida no além-túmulo, escatologia, soteriologia, literatura fantástica, mediunidade, fenômenos de paranormalidade, vida onírica etc (a história da psicanálise é uma boa ilustração do que estamos aqui a dizer, se colocamos a sua origem, como deve ser colocada, no culto de Asclépio).


Nos tipos inferiores em que o arquétipo Perséfone se manifesta, a estrutura do ego costuma ser muito frágil, são eles muito suscetíveis às influências “do lado de lá”, “sentem”, “ouvem”, “vêem” coisas, “incorporam”. Lembram muito Apuleio, já mencionado, que esperava encontrar o “segredo das coisas, abandonando-se a todos os demônios da curiosidade até os confins do sacrilégio.”



Nem todos, porém, que são possuidos pelo arquétipo Perséfone e que dele fazem uso profissional de algum modo, observaram algumas condições “sine quae non” ele não passará, na maioria dos casos, de algo secundário, “vivido” imperfeitamente, apenas intelectualmente, economicamente ou mesmo patologicamente. Diz o mito que, a não ser para aqueles que estejam convencidos da reencarnação, o Hades será sempre um lugar eternamente sem saída, um lugar de tormentos infindáveis, nenhuma possibilidade de mudança, de transformação.


Como intepretar esta condição? A melhor maneira de entender isto está na roda, ou seja, considerar o tempo não linearmente, o tempo da vida vegetal (o ciclo das estações), representado pelos seus ciclos e subciclos, pelo devenir contínuo, pela criação permanente, pelo contingente, pelo perecível, pela morte e pelo renascimento. Assim, exemplificando, se numa terapia do psiquismo não se colocar esta questão do tempo cíclico (morte e renascimento, Kóre-Perséfone) dificilmente, acredito, poder-se-á pensar no seu sucesso.


O arquétipo Perséfone nos remete a uma idéia de alguém que foi raptado não só pelo inconsciente pessoal, pelo desconhecido, pelo que está recalcado, mas pelo inconsciente coletivo, pelos poderes arquetípicos universais, pelas grandes potências desse mundo. Além do mais, Perséfone passou por uma ”morte” física. Sua forma anterior foi destruída, ela passou por uma transformação física ao descer ao reino ctônico, cumpriu um rito de passagem radical.
O Hades, é preciso entender, era um lugar de permanência transitória das almas que a ele desciam conduzidas por Hermes, como deus psicopompo, salvo para aqueles cujos “crimes”, cometidos contra a ordem divina, os tornavam merecedores do Tártaro, lugar de onde ninguém voltava. Os que tinham muito a purgar e sofrer ficavam no Érebo, mas acabavam retornando depois de passar pelo rio Lethe. Nos Campos Elíseos permaneciam aqueles que pouco ou nada tinham a purgar, ali aguardando um retorno breve, sem sofrimento algum. Para o Tártaro iam aqueles que pecavam contra o divino, isto é, o Todo, aqueles que não conheciam o seu “metron”...


Na prática, para o homem grego comum, a viagem para o Hades pode ser assim resumida: quando a morte chegava, a família, segundo os costumes tradicionais, se obrigava a realizar escrupulosamente a cerimônia ritual do funeral, segundo um drama em cinco atos. Aquele (alma) que não tivesse passado por essa cerimônia não seria recebido no Hades, não podendo renascer, portanto. Tal cerimônia se compunha de:
a) toalete fúnebre (lavagem do cadáver com óleos perfumados, seu envolvimento com faixas e uma mortalha, o rosto descoberto);
b) exposição do morto (prothesis) sobre um leito cerimonial, durante o dia, no vestíbulo da casa, tudo teatralmente em meio a muitos gritos e gestos rituais de lamentação; os homens demonstariam a sua dor estendendo os braços para a frente e para o alto; as mulheres levariam as mãos aos cabelos, desgrenhando-se; a lei sempre procurou coibir estas manifestações, principalmente as femininas, manifestações que incorporavam vestes rasgadas, batidas de pés, vociferações, crises histéricas. Nas cerimônias só eram admitidas mulheres que estivessem “impuras”, isto é, as mais próximas do morto, a mãe, a esposa, as filhas, as irmãs. Todos que entravam no vestíbulo deveriam usar luto (preto, cinza ou branco). Carpideiras e carpidores podiam ser contratados para, com a sua contribuição, ser aumentada a energia da memória. Havia restrições ao luxo. Muitos leques e ventarolas para espantar as moscas;


c) no dia seguinte, à alba, para que o sepultamento ocorresse antes dos primeiros raios do Sol, transporte do corpo para a necrópole sobre um carro ou maca, em cortejo de parentes, familiares e amigos, todos com roupas escuras, salmodiando um “threnos” (canto doloroso), com acompanhamento do aulo, em alternância com os soluços dos carpidores. No cortejo dos assassinados, uma lança, como sinal de vingança;


d) inumação em um caixão de madeira (cedro no caso de famílias ricas), depositado num túmulo, que podia ser subterrâneo, aéreo (superficial) ou rupestre (cavernas ou grutas). Em muitos casos, ocorria a incineração em fogueiras, sendo os ossos e as cinzas recolhidos em uma urna de metal ou vaso de argila, inumados mais tarde;
e) banquete fúnebre uma vez terminadas as exéquias na casa de um parente próximo, pois o domicílio deste último, até que ritualmente purificado, estaria sempre maculado pela morte.
A alma não chegaria adequadamente ao “Outro Lado” se a família do morto não o “ajudasse”, isto é, não o despachasse ritualmente como está acima. Como é óbvio, tudo isto tem que ser lido simbolicamente. Se algum item do mencionado ritual não fosse cumprido, a alma poderia ficar presa de algum modo ao mundo dos vivos. Esse ritual tinha o objetivo de “limpar” a alma de sentimentos e emoções, ódio, saudade, obsessões, remorsos, desejos de vingança, idéias fixas, inveja etc. que pudessem atrapalhar a travessia para o Hades ou impedir, depois da estada protocolar nele, se fosse o caso, o devido retorno.


Há, no rio Aqueronte, aquele cuja travessia marca a entrada definitiva no Hades, uma ilha. Nela ficavam as almas que, descendo ao reino infernal, não passaram pelos ritos de ”limpeza”. É a Ilha dos Mortos-Vivos. Muito importante, pois, a colaboração do mundo familiar quando pensamos em morte e renascimento. É por essa razão que os gregos chamavam a cerimônia da morte de exéquias, palavra que quer dizer cuidar, inquietar-se, acompanhar até o fim, honrar. Há aqui uma idéia de envolvimento comunitário que transcende o mundo familiar. O corpo ia para uma outra “jurisdição”, havia que despachá-lo convenientemente, cumpridas todas as formalidades, as diversas fases do processo bem nítidas.

Quem tinha poder sobre a Ilha dos Mortos era a Medusa, monstruosa figura que petrificava aqueles que com ela trocassem olhares. A Medusa, como sabemos, nos fala de aspectos particulares do nosso psiquismo que foram coagulados, muitas vezes desde a infância, sempre demasiadamente unilateriais, muito nocivos ao nosso desenvolvimento, cristalizações que não conseguimos destruir.


A mulher ou o homem tocados pelo arquétipo Perséfone profissionalmente têm que passar uma boa parte de sua vida “entre os mortos”. Este mundo, como vimos, é um mundo que carece de substância, de realidade material. O modo pelo qual ela (ele) lidará com as almas, com este domínio da existência de pouca ou nenhuma luz, tem como um de seus requisitos a “perda” do corpo físico e estará sempre sujeito a várias ameaças, sendo sempre um desafio. Na ocorrência da morte, a alma, “psykhé”, separando-se do corpo físico (soma), conduzida por Hermes psicopompo, tomava no Hades a forma de um “eidolon”. A alma era para os gregos o “quid” essencial do corpo, sendo o “eidolon”, uma vaga representação da forma física, de energia bruxuleante, de tênue brilho intermitente; o “eidolon” era às vezes chamado de “skia” (sombra), “oneiros” (figura de sonho) ou “opsis” (aparência, imagem, visão). Na frase de Sófocles, “o homem é somente um sopro e uma sombra, nada mais que um eidolon”.


Na geografia mítica há uma região muito próxima da superfície da Terra a que se deu o nome de Bosque de Perséfone. É uma região preambular, à qual se chega, no mito, através das várias entradas de Géia, pântanos, grutas, lagos, cavernas, desfiladeiros, lugares misteriosos, como Lerna, Averno, o cabo Tênero, Cumas e muitos outros. Era crença geral tanto na Grécia quanto na Itália que todos os grandes oríficios, anfractuosidades, gretas e fendas do solo, cuja profundidade ninguém nunca sondara, tinham contacto com o Hades, a ele dando acesso.
O Bosque de Perséfone ficava entre a Terra e o Érebo. A região era lúgubre, triste, desolada. Nela viviam pavorosos espectros, divindades alegóricas que atormentavam os mortais. Pela proximidade com a a superfície da Terra a ela subiam com facilidade, “vivendo” muito entre os mortais. As principais entidades desse mundo eram: Algos (Dor), Kenosis (Privação), Até (Desvario da Razão), Ponos (Fadiga), Phtonos (Inveja), Geras (Velhice), Lymós (Fome), Penia (Carência), Trophe (Volúpia), Nosos (Doença), Koros (Saciedade) e sua filha Hybris (Desmedida), Athenia (Depressão), Lyssa (Loucura), Phtora (Corrupção), Momo (Sarcasmo), Apate (Fraude), Panurgia (Demagogia), Tekhne (Artifício), Tryphé (Luxo), Aponia (Ociosidade) e outros. Na frente de Sykophantia (Calúnia) seguia sempre Ftonos (Inveja), que jamais conseguia olhar Areté (Mérito). Analogicamente, como se pode perceber, esses espectros vivem no limiar da nossa vida consciente. Um pouco afastados deles, seguia-os Metanoia (Arrependimento), de olhos lavados, sempre procurando a luz.


No meio do Bosque de Perséfone havia um imenso olmo copado, onde residiam os sonhos quiméricos, as ilusões, as frustrações e as decepções. Perto dessa ávore, vivia a Quimera, monstruosa filha de Tifon e de Équidna. Faziam também parte da vegetação do Bosque de Perséfone os ciprestes, os salgueiros e os campos de asfódelos, cujo perfume sugere a perda dos sentidos, a morte. O asfódelo, como se sabe, é muito conhecido nas regiões mediterrâneas como a flor dos decapitados, dos que perderam a cabeça, dos que não se comandam mais.
O olmo é uma árvore funerária porque ela não produz nenhum fruto, provavelmente por causa da sua longevidade e pela sua facilidade de reprodução. Eram também encontrados no Bosque de Perséfone ciprestes e salgueiros. O primeiro era sagrado pela sua longevidade, sempre verde e resistente, de resina incorruptível. Nos cemitérios (koimeterion, dormitório; koimasthai, deitar-se, dormir), os ciprestes têm um caráter infernal, lembrando ao mesmo tempo morte, luto, renascimento e imortalidade. O cristianismo o incorporou ao seu simbolismo, muito plantado junto dos túmulos nos cemitérios para representar esperança de vida eterna depois da morte. Já o salgueiro (álamo, chorão) sempre se ligou no mundo grego à morte, a sentimentos de tristeza. Lembra fecundidade, imortalidade. Sua origem, no mito, está ligada ao infeliz herói Faetonte, filho do deus Hélio.


Quanto ao cipreste (cypres-thuya), gregos e romanos sempre o ligaram ao inferno. Os povos árabes, por exemplo, o fazem derivar do paraíso de Alá diretamente. Da madeira desta árvore, segundo muitas versões, eram feitas as flechas de Eros e o cetro de Zeus. Graças ao seu verde eterno e à incorruptibilidade de seu lenho, sempre representou o cipreste a imortalidade da alma e a esperança de uma ressurreição. Tradicionalmente, diz-se, Papas, quando morrem, têm, como última morada, caixões feitos com madeira de cipreste.
Os templos gregos eram geralmente cercados por ciprestes, sendo um sacrilégio se cometer qualquer dano à árvore. Essas árvores eram normalmente consagradas a Plutão. Há inúmeras histórias na mitologia grega sobre elas. É tanto uma árvore ligada à morte como ao consolo de desgostos provocados por ela. Lançar um pequeno galho da árvore à cova, como um viático (provisões para viagens; sacramento da comunhão ministrado em casa aos enfermos impossibilitados de sair ou aos moribundos), quando da inumação do corpo, era sempre um conforto para o que partia.


A Quimera (Khimaira), um dos monstruosos filhos de Tifon e de Équidna (víbora, serpente, a prostituta apocalíptica, a libido que queima a carne e que a devora), é híbrida, uma fusão, com cabeça de cabra, corpo de leão e cauda de serpente. Representa uma deformação do nosso psiquismo, a imaginação descontrolada, um perigo que todos temos dentro de nós. A Quimera é, no fundo, um símbolo dos nossos poderes de criação (cabra) e de destruição (leão) e de como esses poderes podem nos envenenar (serpente). Vivia também a Quimera no Bosque de Perséfone. Era irmã de Cérbero, o cão tricéfalo guardião do Hades, do Leão de Neméia, da Hidra de Lerna, do Dragão da Cólquida, de Ortro, o cão do gigante Gerião, de Fix, a Esfinge, e do Abutre que devorou as entranhas de Prometeu, todos figuras sinistras, monstruosas.


Um dos espectros mais ativos, praticamente onipresente, na vida dos mortais é a deusa Eris (Discórdia). Cabeleira de serpentes, fitas ensanguentadas amarradas ao corpo, rosto lívido, boca espumante, ela carrega sempre entre as mãos um rolo de papel onde se lê “confusão, disputa, guerra”, seu lema. Eris foi indiretamente a causadora da guerra de Tróia ao lançar o pomo da discórdia na festa de casamente de Peleu e de Tétis. Eris é mãe de Ponos (Fadiga) e de Lethe (Esquecimento). Atrás dela, sempre escondida, caminha Strophe (Sofisma, também conhecida como Chicana), que pontifica nos Palácios de Justiça do mundo todo, sendo seus minitsros os juízes, os procuradores, os tabeliães e os advogados.
Dentre os espectros acima mencionados, há, por exemplo, um do qual ninguém escapa. Refiro-me a Geras (Velhice), uma triste figura que provocava sempre grandes temores, pois podia atacar os jovens também. Ela era representada como uma mulher muito velha, encarquilhada, sempre com uma longa túnica negra que lhe chegava aos pés. Na mão direita carregava uma taça, a do esquecimento; na mão esquerda, um bastão no qual se apoiava. Ao seu lado, sempre, uma clepsidra (relógio de água), quase esgotada.


Os espectros que vivem no Bosque de Perséfone atacam constantemente o que chamamos de ego, aqui entendido como núcleo em torno do qual se agregam todas as experiências vividas pela mente, registradas no inconsciente ou mantidas no campo iluminado da consciência. É o ego que nos faz acreditar que somos “alguém”, que temos uma personalidade individualizada, unificada. É com o ego que, a cada momento, nos afirmamos, satisfazemos desejos, empurrados pelos nossos caprichos, pela nossa vida instintiva, pelas nossas emoções, pela nossa mente inferior, pelas pressões do nosso corpo físico. Ele dá ao homem a ilusão de ser o eu verdadeiro. Quando dizemos eu amo, eu trabalho, eu faço isto ou aquilo, é sempre o ego que está por trás destas afirmações. É ele, no homem comum, o princípio de organização dinâmica, diretor e avaliador que determina as suas vivências e atos. É a instância do aparelho psíquico que se constitui através das experiências do indivíduo e exerce, como princípio de realidade, função de controle sobre seu comportamento, sendo seu funcionamento, em grande parte, inconsciente.



Para entender melhor o que aqui se expõe precisamos saber que todos os seres que nos mitos “vivem” abaixo da superfície da Terra são de alguma forma monstros, ligam-se ao não-ser. Na escuridão dessa imensa região subterrânea encontra-se o reino de Hades-Plutão (Hades, etimologicamente, o Invisível), que simboliza o nosso mundo inconsciente; lugar de monstros e de sofrimentos atrozes, nele temos tesouros, possibilidades de renascimento, novas oportunidades de vida que devem ser trazidas à luz.



O Hades grego, como se disse, é um lugar cheio de monstros, criaturas do não-ser. Um exemplo do que aqui se fala é Tifon, considerado o maior deles da mitologia grega. É filho de Géia, a Mãe-Terra, e do Tártaro, este, como vimos, o mais profundo do mundo infernal, lugar jamais atingido pela luz, Tifon é um monstro medonho e terrível. É muito mais alto que a mais alta das montanhas da Terra; de pé, sua cabeça atinge as estrelas; quando abre os braços, uma das mãos toca o oriente e a outra o ocidente; de seu corpo saem dragões e serpentes; de seus olhos, chispas de fogo. Tifon foi (é) a última tentativa de Géia no sentido de impedir a instauração por parte dos olímpicos de uma ordem cosmogônica orientada só espiritualmente. A monstruosa figura chegou a mutilar Zeus, que só conseguiu vencê-lo a duríssimas penas e, mesmo assim, provisoriamente. Tifon, como se sabe, está contido pela ilha da Sicília, que Zeus lançou sobre ele. As lavas que o vulcão Etna lança de vez em quando são um sinal de que o monstro um dia poderá voltar...



O nome Tifon, etimologicamente, lembra obscuridade, fumaça, trevas, violência, cegueira e surdez. É, como tal, um agente do Caos, da desagregação, da indeterminação, da indiferenciação, como destruidor da ordem cósmica. Ora, os antigos gregos bem sabiam que o nosso processo de individuação, analogicamente, tem tudo a ver com aquilo que chamavam de cosmizar, pôr em ordem, ajustamento de partes, integração tendo em vista um determinado fim. No sentido que aqui damos ao conceito, individuação é, num primeiro momento, o processo pelo qual uma parte do todo se torna progressivamente diferente dele e, concomitantemente, a ele se adapta.



Monstros, nos mitos, são seres disformes, fantásticos e ameaçadores. Etimologicamente, o nome significa prodígio da natureza, sendo considerados também como sinais que informam ou anunciam a vontade dos deuses. Nos mitos, eles têm relação com a vida primordial, representando as forças cósmicas como potencialidades não formais. A psicologia fez dos monstros símbolos, no ser humano, da predominância de forças instintivas ou irracionais que devem ser sacrificadas em nome de uma vida superior, racional, espiritual, isto é, cósmica. Como agentes do caos, os monstros falam sempre da indeterminação, do tenebroso, do abissal, lembrando a nigredo alquímica.


A cor da nigredo, como o nome indica é o negro, negação da luz, associada ao falso, ao erro, à desordem, à desorientação, ao complexo do abandono, este inseparável da melancolia (bile negra), sempre acompanhada do medo da vida e do desespero. Todavia, o negro é também o prelúdio da regeneração, pois é dele que sai a luz. Aquele que nos mitos subjuga as forças instintivas e irracionais, orientando-as superiormente é o herói. Os monstros guardam tesouros, estão presentes nos ritos de passagem e sinalizam uma possibilidade de renascimento. O herói é aquele que os enfrenta.

A compreensão da descida de Kóre, sua transformação em Perséfone, o lugar e funções que ela tem no Hades estão certamente na gênese de todos os processos das terapias do psiquismo, tanto as reconhecidas oficialmente como aquelas que se agrupam hoje sob vários nomes e que abrangem interesses metafísicos diversos, curas espirituais, meditação, yoga, astrologia, tarot, variados movimentos religiosos, mancias, práticas orientais como o budismo, o hinduísmo, o sufismo e outras. A mitologia grega sempre nos disse, lembremos, que há diversas maneiras de se descer ao Hades...


A história de Kóre-Perséfone será vivida por nós sempre que “alguém” do Bosque de Perséfone se apossar da nossa vida de algum modo, tornando-nos depressivos, causando-nos raiva, medo, fazendo-nos sentir inveja, levando-nos ao desespero... Perséfone, porque conhece os dois lados da experiência infernal, será a nossa mãe nesse mundo, podendo nos ajudar de algum modo, salvar-nos, como o fez com Orfeu. No geral, as pessoas assim raptadas, carentes de amor e atenção, procurarão alguém, uma Perséfone, que entre na sua vida para assumir a função de salvá-las. É neste momento que deve valer, mais do que qualquer outra, uma regra fundamental quando pensamos em ajudar pessoas, que as doutrinas orientais nos legaram: só podemos levar alguém a algum lugar até o ponto conhecido por nós, ou seja, até onde nos encontramos.


Texto de Cid Marcus,




http://cidmarcus.blogspot.com/2011/02/kore-persefone.html

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